SOCIEDADE - O pai ausente

O Dia dos Pais, em nosso País comemorado em agosto, não é igual para todos. Segundo a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (ArpenSP), de cada 20 crianças registradas em São Paulo, uma não tem o nome do pai na Certidão de Nascimento. A expressão de contentamento, comum nessas ocasiões, é relativa para muitos. Oportuno então para algumas reflexões. Há, nessas datas, a saudade daqueles que já não têm consigo o pai. Há histórias de abandono, de decepção e até de muita violência, na pior dimensão, onde menos seria cabível, na família. E há, para muitos, pais anônimos ou sem rosto. Há o paradoxo do pai ausente mesmo estando presente. Há que considerar esses contrapontos nas situações de vínculo paternal e familiar, nos formatos que vão além do fator biológico. Há situações em que a paternidade é exercida pela adoção, um ato da maior importância. Ficam evidentes os prejuízos emocionais e sociais que a ausência da paternidade provoca. Danos de grande impacto no desenvolvimento humano.

Um desses danos está no comprometimento do processo educacional, com seus preocupantes efeitos na vida do abandonado. Os pais têm a responsabilidade de garantir o acesso à educação, obrigatoriamente, pelo menos até o final do ciclo fundamental. Na verdade, uma obrigação que deve ir além do dever legal, pois limite de faixa etária ou de ciclo escolar é mero fator de organização social. A presença paterna possui aspectos determinantes e decisivos. O efetivo acompanhamento da vida escolar, entre outros, por determinar caminhos, deveria ser encarado sempre como algo prioritário. Nem sempre é o que ocorre. Há indiferenças e também a delegação de um dever que é da família no qual o pai deve ser um dos protagonistas. Na experiência de atuar, por exemplo, em escolas públicas, verifica-se a ausência das famílias e do pai em particular. Poucas são as famílias que acompanham rotineiramente seus filhos na trajetória educacional básica. É nítido o resultado melhor, do aluno, pertencentes às famílias mais participativas. Mais rara ainda, nas reuniões, a presença do pai. Algo que deveria ser em conjunto fica sob a responsabilidade da mãe. A ausência do pai tem impacto individual e social. Além do comprometimento educacional, surgem problemas emocionais, uso e abuso de drogas e gravidez precoce.

Segundo dados recentes da direção da Fundação Casa, instância do governo de São Paulo para o menor infrator, dos 9.978 garotos que cumprem medidas socioeducativas na fundação, por estarem em conflito com a lei, mais da metade foi criada sem o pai. Ainda de acordo com a direção da fundação citada, essa parcela dos internos vive com a mãe, avós ou tios. Ou sem qualquer vínculo familiar. Em muitos casos o pai está em sistema prisional. Do total de jovens na referida instituição, 96% não estão na série escolar adequada para a idade e mais de 30% haviam abandonado os estudos meses antes de cometer o ato infracional.

O processo educacional possui relevante dimensão.

Estudos sobre as famílias revelam a força ímpar do papel da mãe, daquela valiosa mulher que, na prática, é também o pai. E a ausência paterna compromete, em boa parte, o heroico esforço da mãe. E pode gerar muitos problemas emocionais ao evidenciar o vácuo de um forte elemento protetor, inerente da estrutura familiar plena. Pais ausentes quando mais se precisa deles. Os motivos desse abandono, que traz impactos e consequências individuais e sociais, são vários. Há a inconsequência de muitos. Mas, há ainda situações de ausência paterna provocada por pais desempregados, com problemas psicológicos, dependentes químicos, desaparecidos ou a combinação de mais de um desses fatores. Há também o pai ausente que, para suprir a lacuna, tenta fazê-lo dando o que o filho lhe pede, muitas vezes fora das possibilidades, trazendo outros riscos. Nesse caso o consumismo desenfreado é outro fator que deve nos preocupar individual e socialmente.

Enfim, o repertório vinculado ao abandono paterno é extenso, assim como as consequências. Exemplos edificantes, sejam de pais biológicos ou por adoção ou por outras contingências, não faltam. E há a realidade de abandono, indiferença e de decepção com o pai. Situações opostas que, no entanto, ressaltam a importância, individual e social, da presença paterna e dos impactos negativos que essa ausência produz.

Artigo publicado no jornal Correio Popular - Campinas - 14/08/2015
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