Para outros ‘João Vitor’

Teve ampla, e justa, repercussão a notícia sobre o aluno cearense, João Vitor, matriculado em escola pública e que obteve a quase totalidade de acertos nas questões no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), edição de 2014. Há muitos jovens pelo Brasil afora com o mesmo potencial de João Vitor à espera de oportunidades. O aluno cearense, depois do impressionante resultado, esteve em vários programas de televisão e foi matéria jornalística em diversos veículos de comunicação. Ele, conforme demonstrou de forma efetiva, e muitos outros jovens precisam de atenção dos responsáveis pelas políticas educacionais e dos gestores escolares e, fator de grande importância, de suas famílias. Diante da ausência de preocupação de quem deveria fazê-lo, o jovem e importante capital humano brasileiro se perde, em última instância, pela desmotivação que acomete o aluno no Ensino Médio.

Nesse contexto o Enem abre muitas portas a depender do desempenho. Assim, a meritória conquista do João Vitor nos conduz para algumas reflexões relevantes. A começar por desfazer um lamentável equívoco, o de generalizar a escola pública como espaço educacional sem qualidade. Há inúmeros exemplos que mostram os equívocos dessas generalizações. Da mesma forma como também há muitas situações que atestam problemas nas escolas particulares. Os alunos dos dois segmentos — público e particular — estão igualmente à espera das oportunidades para seu desenvolvimento educacional e, consequentemente humano. Mas, aqui, se expressa de forma preocupante a crônica e desafiadora desigualdade social brasileira, também na Educação, um direito.

A leitura foi um instrumento fundamental para a conquista de João Vitor. Aqui um item para análise: infelizmente as bibliotecas escolares, muitas com rico acervo, não obtêm apoio sequer para um funcionamento mínimo. Vivem trancadas. Faltam profissionais. Assim os muitos João Vitor ficam sem acesso às leituras ou consultas para seu desenvolvimento educacional. Poucas escolas possuem um programa planejado de incentivo à leitura. Certamente, o funcionamento mais amplo e adequado das bibliotecas escolares deveria fazer parte do conjunto de ações para que nossos jovens possam avançar no crescimento intelectual.

Orgulho da família! Esse foi o sentimento que o desempenho do estudante de escola pública, que obteve nada menos que 95% de acertos na recente prova do Enem, provocou. E nesse aspecto, outro fator de grande relevância: a presença da família no acompanhamento e no apoio da vida escolar dos seus filhos ou tutelados. Infelizmente, por diversas razões, algumas sem razão, que vão do puro e irresponsável desinteresse e da falta de compreensão da importância da participação familiar, até mesmo na falta de incentivo por parte das escolas, que se limitam a chamar os pais quando há problemas. Raras são as reuniões de instâncias, como o Conselho de Escola, para que se debata o Plano Político Pedagógico da unidade escolar, chamando para isso os pais e a comunidade do entorno da escola. O fato é que há pouca participação e se isso ocorresse, faria aumentar o êxito dos jovens alunos. Houve isso no caso do João Vitor. Os depoimentos de sua esforçada mãe também emocionaram a muitos. Paradoxal e injustamente essa mãe não sabe ler nem escrever e teve protagonismo na conquista do filho. Que seu exemplo seja amplamente replicado. Afinal, seu filho só faltou um dia na escola devido a problemas com calçado, problema logo resolvido, com sacrifício, pela mãe.

O notável desempenho e a sua história de superação desse garoto de 16 anos emocionaram a muitos. Os fatores que concorreram para a conquista podem e devem fazer parte do cotidiano dos muitos e muitas João Vitor neste País de dimensão continental e com tantos talentos desperdiçados diante da falta de oportunidades. Se a Educação não pode assumir condição de único fator de redenção das nossas mazelas sociais, ela é elemento decisivo para a superação do vasto conjunto de desafios da nossa sociedade. O aluno em pauta, espera agora o resultado oficial, que deve sair no início de 2015. Em um comparativo, João Vitor, tendo acertado 172 das 180 questões, terá ultrapassado os 164 acertos da estudante mineira Mariana Drummond, que conquistou o primeiro lugar no Enem 2013. A nota final levará em conta também o desempenho na Redação, item de relevância no conjunto avaliado pelo Enem e que tem na leitura forte sustentação. Que possamos avançar na educação para que situações como a de João Vitor, que nos orgulha, não seja destaque isolado. Que as escolas e as famílias cumpram seu papel na caminhada dos jovens inseridos no mesmo processo.

Artigo publicado no jornal Correio Popular - Campinas - 16/12/2014
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