Conjuntura - Sem ‘viralatismo’ nem ufanismo

Está no equilíbrio o acerto em boa parte das ações humanas. Entre a razão e a emoção, deve haver esse espaço. Em tempos de Copa Mundial de Futebol sempre houve intensa mobilização dos brasileiros. E não poderia deixar de ser ainda mais intensa com a Copa sendo realizada aqui, diante da agilidade da comunicação, acentuada pelas redes sociais. Ocorrem, então, alguns debates interessantes e que não devem ficar restritos apenas a este momento.

O legado da Copa é algo que será debatido por muito tempo, inclusive no cenário das eleições que também ocorrerão no ano em curso. Em meio a tudo isso é oportuno refletir sobre as abordagens que tratam de certo complexo que, equivocadamente, nos acometeria enquanto nação, o denominado “viralatismo”. O tal “Complexo de viralata" é expressão do dramaturgo e escritor brasileiro Nelson Rodrigues. Está relacionada ao choque sofrido pelos brasileiros em 1950 quando a Seleção Brasileira de Futebol derrotada pela Seleção Uruguaia na final em pleno Maracanã. No campo futebolístico o Brasil se recuperou do choque em 1958, quando ganhou a Copa do Mundo pela primeira vez. E ratificou o feito na Copa seguinte, em 1962. E ainda muito mais: afinal é do Brasil a seleção de futebol com o maior número de títulos em Copas do Mundo, conquistando cinco vezes o primeiro lugar. É a única seleção de futebol a ganhar o campeonato fora de seu continente e a participar de todas as edições. Então, aqui o “viralatismo” não faz, absolutamente, nenhum sentido. Não faz também por outras conquistas.

Para Nelson Rodrigues, no entanto, o fato não se limitava somente ao campo futebolístico. Segundo ele, o sentimento de inferioridade com que o brasileiro se coloca, diante do resto do mundo, era preocupante. Mais de sessenta anos depois do “maracanazzo”, ainda o é. Persiste este sentimento e que precisa ser superado olhando para muitas das nossas conquistas. Saindo do campo futebolístico temos, ainda no esporte, razões para orgulho, algumas nem tão atuais, caso da Fórmula I, do vôlei, basquete etc..., que demonstram ser equivocada a nossa autoestima baixa. Outras razões, e fora do campo do esporte, também trazem orgulho, basta ver os avanços tecnológicos, com nossas patentes, conquistas nas ciências, na cultura, ou não é para ter orgulho, por exemplo, do memorável trabalho da atriz Fernanda Montenegro, no filme Central do Brasil, de 1998, quando disputou o prêmio maior da indústria cinematográfica?

Há outras conquistas nesse campo. Exemplos também de escritores universais como Machado de Assis ou Guimarães Rosa, ou cientistas do porte de um Cesar Lattes. Pode-se citar ainda a superação coletiva de várias doenças, com impactos decisivos em maior expectativa de vida com qualidade. Também a redução da pobreza, com inserção maior de mais brasileiros na linha de dignidade social, a universalização do ensino básico, sem pontuar que a busca pela qualidade do ensino e combate de outras mazelas ainda preocupantes, deve ser permanente, assim como ampliar o acesso ao ensino universitário, fortalecendo e ampliando o alcance da universidade pública e de qualidade.

Fundamental ainda valorizar e reconhecer a referência ímpar do educador Paulo Freire, cujo método de alfabetização é adotado em muitos países com notáveis resultados. É possível, com razões objetivas, rebater o sentimento negativo. Mas, também é preciso o cuidado para que não se incorra no exagero oposto, o ufanismo. A Copa de 2014 no Brasil vai ser fato passado, com seus efeitos positivos e negativos. Que legado de fato deixará? Independentemente disso, continuaremos o esforço coletivo, brasileiro por excelência, para superar os desafios sociais na saúde, na educação, no transporte, na segurança, na mobilidade, na distribuição de renda justa, na erradicação ainda maior da pobreza. Sem “viralatismo” nem ufanismo.

Artigo publicado no jornal Correio Popular - Campinas - 08/07/2014
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