PESQUISA DO IPEA - Do erro ao acerto

Um assunto, baseado em divulgação com troca de resultados estatísticos, mobilizou o País, provocando dúvidas, indignação, questionamentos e reafirmação de não à violência contra mulher, o que é sempre certo. A pesquisa divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fundação pública federal vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, dizia que 65% dos entrevistados entendiam que determinadas vestimentas das mulheres justificaria, um absurdo inaceitável, casos de violência contra a mulher. Crimes contra os quais a sociedade brasileira trava luta intensa e perene, respaldada fortemente em uma pauta de civilidade e de cidadania. Na verdade a pesquisa, em versão corrigida, reduziu o índice para 26%, ainda assim altíssimo e inaceitável. Deveria ser 0%. Espanta que um órgão como o Ipea, cometa um erro tão grotesco. O resultado equivocado teve ampla repercussão no Brasil e também na imprensa internacional. A mobilização produziu campanha na internet, deflagrada por uma jornalista e obteve corretíssimo apoio de mulheres e homens, incluindo artistas posando com cartazes expressando justa indignação.

O órgão existe há 50 anos. Criado em 1964, ainda como Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea assumiu o nome atual em 1967, quando tornou-se uma fundação pública. Desde a sua implantação, o Ipea busca contribuir para o planejamento do desenvolvimento de políticas públicas. Pode-se concluir que o erro em pauta é um ponto absolutamente fora da curva. Há enorme contribuição de parte do Ipea para o País, nessas décadas de sua existência, o que torna ainda mais incompreensível o equívoco. Afinal, as atividades de pesquisa do Ipea, como constam de sua página na internet, fornecem suporte técnico e institucional às ações governamentais para a formulação e revisão de políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiros. Os trabalhos do Ipea são disponibilizados para a sociedade por meio de inúmeras e regulares publicações e seminários e, mais recentemente, via programa semanal de TV em canal fechado. O dado mais comentado do estudo do Instituto sobre a violência contra as mulheres, um tema da maior relevância, estava errado. Uma semana após a divulgação de a pesquisa ter produzido uma impressionante gama de reações, incluindo a presidente Dilma Rousseff, o órgão informou, corrigindo a primeira informação, que 26% dos brasileiros, e não 65%, concordam total ou parcialmente, com a afirmação de que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. A errata foi publicada e o diretor do Departamento de Estudos e Políticas Sociais pediu exoneração. Houve, segundo as explicações, troca entre os gráficos de questões da pesquisa.

Na verdade até mesmo os pesquisadores do Ipea haviam admitido surpresa com o primeiro resultado. No entanto, a informação demorou uma semana para ser corrigida. Houve de parte do Ipea um pedido de desculpas “pelos transtornos causados” e o registro de solidariedade “a todos os que se sensibilizaram contra a violência e o preconceito e em defesa da liberdade e da segurança das mulheres”, conforme nota oficial. A sociedade brasileira não se calou, pois a luta pela igualdade de gênero é pauta sempre relevante e recorrente. Talvez haja um aspecto positivo no caso, mas com ressalvas: a reação da sociedade, reafirmando, com absoluta ênfase, um não à violência de gênero e, assim, também um sonoro não à crescente violência geral que tanto incomoda a sociedade brasileira. Teria sido melhor que as considerações ocorressem em torno dos avanços de civilidade na sociedade brasileira, posto que 26%, índice altíssimo para um tema tão inaceitável, mas mostraria que o segmento que assim pensa é minoritário e portanto deveria ser cada vez mais reduzido. O que se faz, entre outras ações, com informação, educação, valorização profissional e salarial da mulher redução da desigualdade social.


Em entrevista exclusiva à Rádio Jovem Pan, o chefe de gabinete do Ipea, Sergei Soares, afirmou que o equívoco na pesquisa “foi um erro bobo”. Claro que não foi. Trata-se de um erro grave. Não anula a validade e a qualidade da série histórica de acertos de pesquisas do Ipea. Erro que não pode ser repetido pelo tradicional órgão que tem histórico de contribuições relevantes para as políticas públicas.


Artigo publicado no jornal Correio Popular - Campinas - 10/04/2014
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