Razões para se indignar

Desde os memoráveis tempos da campanha pelas Diretas Já!, em 1984, ou do Fora Collor!, em 1992, o Brasil não via manifestação popular de dimensões tão gigantescas e significativas como as ocorridas agora. Consideradas por muitos como o despertar de um País que se cansa das atitudes de seus governantes e de sua classe política, diante da realidade, distante do róseo que a oficialidade tenta mostrar. E também com as atitudes daqueles que deveriam representar o povo. Milhares de brasileiros, numa noite de segunda-feira, em diversas capitais, com amplas repercussões internacionais, fizeram protestos acontecerem, com amplo apoio nas redes sociais, espaço de articulação e de convocação para as manifestações. Muita indignação, razões diversas. Questões que nos desafiam, como cidadãos inconformados, afinal, é um país de tantas riquezas, tanto potencial e, paradoxalmente, tanta falta de qualidade de vida para sua população. Carga tributária que penaliza o assalariado, enquanto nossos dirigentes priorizam altos investimentos em eventos desportivos. Construindo estádios que, provavelmente, depois do evento, serão pouco utilizados. É clara para a população a inversão de prioridades. Assim, muito mais que 0,20 centavos no custo da passagem, embora esse seja muito caro e sem a qualidade que seus usuários merecem, há mais razões para se indignar.

Raros são os dias em que não nos entristecemos diante de imagens do péssimo atendimento que se dá, por exemplo, àqueles que dependem da saúde pública. Doentes em macas, em verdadeiros cenários de guerra. Não raras também são as situações de falta de medicamentos, com desculpas risíveis, não fossem trágicas. A falta de investimento na Educação básica pública, com altíssima evasão, sobretudo no Ensino Médio. País, em pleno século 21, ainda com inaceitáveis índices de analfabetismo. País que desperdiça seu imenso talento humano com ausência de políticas públicas para adolescentes e jovens, desperdiçando um capital irrecuperável. E a seca do Nordeste a ratificar a secular desesperança, ricamente tratada em Vidas Secas, por Graciliano Ramos, obra literária de 1938, que assola a população local, produzindo instabilidade para tantas famílias acometidas. Ali, como em outras regiões do País, programas importantes e necessários, como o Bolsa Família, que deveria ser ponto de partida na construção da autonomia e da sustentabilidade, acabam sendo um fim em si, produzindo dependência perene, como mostrou a recente corrida aos saques do auxílio, diante de boatos de que o programa seria suspenso. Diante dos desastres naturais, como as enchentes, são inaceitáveis as desculpas e os adiamentos de soluções e a falta de soluções rápidas para os que perdem tudo, diante dessas tragédias, algumas delas totalmente evitáveis. Há que se indignar com a falta de uma política articulada de segurança pública que faz crescer assustadoramente a violência pelo País afora, em ocorrências e situações que produzem verdadeiro terror à população. Mais recentemente, a ameaça crescente de inflação. Um País que convive ainda com altos índices de exploração do trabalho infantil. Indignação também com atitudes desrespeitosas da classe política que deveria representar o povo nas casas legislativas e constantemente mostra falta de compromisso com aqueles que os elegeram.

A justa manifestação contra aumento do custo do transporte coletivo, cada vez mais caro e com acentuada falta de qualidade, despertou o País para sua robusta pauta de desafios enquanto nação que pode dar melhores condições de vida para seu povo. Saúde, educação, segurança e tantos outros problemas à espera de soluções. Não por acaso, a eclosão ocorre no exato momento em que se inicia um evento que antecede a Copa do Mundo, que envolve o esporte mais popular do País. Há inconformismo, e a força das manifestações evidencia isso. Uma profunda indignação do povo, que o País gaste tanto para organizar a copa. Copa do mundo que ocorrerá em ano eleitoral, tempo de renovação dos cargos mais importantes do nosso poder executivo e legislativo. Em um País em que não faltam razões para se indignar.

Artigo publicado no jornal Correio Popular - Campinas - 21/06/2013
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